- Boa noite, moço.
- Boa noite, minha senhora. Tudo bem? Posso ser útil em alguma coisa?
- Comigo está sempre tudo bem, moço. (gargalhada) Obrigada pela sua gentileza.
- Mas tudo bem, meu filho. (gargalhada escrachada) Sabe, moço, estava vendo a movimentação e sei que haverá trabalhos na minha banda. Fico contente por isso, mas não consigo entender uma coisa.
- O quê, minha mãe? – ri-me, já pressentindo o que vinha.
- (risos) Porque é que vocês só reverenciam a festa de Exu?
- De jeito nenhum, minha mãe, a festa sempre é também para a senhora.
- Não é isso que estou dizendo, moço.
- E o que é então?
- Sabe, moço, estamos à frente e na frente de muitas coisas. Aliás, Pombagira é assim mesmo, prà frente. (gargalhada)
- Isso eu sei …(risos), mas não entendo onde a senhora quer chegar.
- Olha, moço, vocês passaram por grandes mudanças e avanços sociais nos últimos tempos, não?
- Não …vou dizer que ainda estamos passando, mas claro que muita coisa mudou.
- E vão mudar mais ainda! (gargalhada) Bom, moço, sei que não tenho muito tempo e queria falar-lhe uma coisa.
- Pode dizer, minha mãe.
- Apesar de atuarmos junto com os nossos companheiros Exus, nós não somos nada parecidas com eles. Assim, não têm por que criar um dia para Exu e reverenciar-nos também.
- Onde a senhora que chegar?
- Antes, na vossa ignorância, muitos nos chamavam de Exu mulher, mas hoje isso passou, pelo menos para muitos, mas outros ainda possuem estes conceitos ou piores (gargalhada escrachada).
- Sim?
- Então, como muitos já sabem disso, e como também sabem o muito que fizemos por vocês e pela Umbanda, você não acha que está na hora de criar um dia só para nós? (gargalhada).
- Acho que sim, minha mãe. Por mim pode até ser hoje.
- (gargalhada escrachada) Você acha, moço, que Pombagira se contenta com qualquer coisa? (gargalhada escrachada)
- Sei que não (risos), mas, mais uma vez, não entendi onde a senhora quer chegar.
- Olha, moço, quando vocês comemoram um dia para os Orixás, normalmente ele tem a ver com o sincretismo religioso que vocês fazem, certo?
- Certo, mas infelizmente não conheço nenhum sincretismo religioso para a senhora.
- (gargalhada) É porque de santa nós não temos nada! (gargalhada escrachada) Mas se tivéssemos, qual seria esse sincretismo?
- Sei lá, minha mãe. Maria Madalena, talvez (risos).
- É, podia ser engraçado… Mas essa história de mulher da vida continuaria nos perseguindo, ou não foi por isso que você pensou nela?
- Tenho que confessar que foi. Peço desculpas.
- Não tem que se desculpar não, moço, se a gente ligasse para isso, já teríamos reclamado.
- Mas então com que santa sincretizamos a senhora, já que de santa a senhora não tem nada? (risos)
- Engraçado você, não, moço? (gargalhada)
- Mas uma vez desculpe, mas não posso deixar de me lembrar do que as senhoras representam na cabeça de muita gente.
- Isso é falta de informação ou ignorância mesmo, sabe, moço?
- Sei.
- Mas que influenciamos algumas mudanças na mulherada, pode ter a certeza.
- Acredito. Afinal vocês representam o arquétipo do prazer, a sensualidade e a sexualidade feminina e a “mulherada” “tá” fogo (risos).
- Você falou bem, moço, feminino, não da mulher. Claro que somos mais femininas que vocês, mas vocês também possuem um lado feminino, não?
- Claro que temos, minha mãe, assim como vocês têm um lado masculino.
- Esse não serve para nada. (gargalhada) Mas esse lado que muitos de vocês (homens e mulheres) não usam, deveriam usar mais, sabe?
- Sei não, minha mãe. Pode-me contar?
- Não se faça de inocente, moço. Eu sei que você sabe, mas você quer ver o que eu tenho para dizer e o que tiver que dizer eu digo, moço. Acontece que é através desse lado que vocês tanto realizam como se realizam nas coisas, pois é nele que vocês encontram o prazer de fazer, de viver, de ser…
- Sei…
- Mas esse lado, moço, só se desenvolve com leveza, com soltura, com sensibilidade e isso até mesmo muitas mulheres estão a esquecer-se.
- Acredito que sim, minha mãe.
- Mas, voltando ao assunto que você desviou, nós não nos contentamos com qualquer coisa e nem com qualquer dia.
- Tudo bem, minha mãe, mas que dia a senhora quer para que possamos homenageá-las?
- Sabe, moço, se nós não tivéssemos dado corda àquela mulherada toda, muita coisa não teria mudado.
- As senhoras ou o mistério?
- Isso não importa, pois é através dele que me manifesto, certo?
- Certo, minha mãe.
- Mas voltando onde você me interrompeu, se nós, ou como você disse, o nosso mistério não tivesse incitado toda essa revolução feminina, as mulheres não teriam conquistado um dia só para elas, sabe?
- Não, mas acho que estou a começar a perceber…
- Pois é, moço, tem sincretismo ou arquétipo melhor para nós do que simplesmente a mulher, sem ser santa ou outra coisa qualquer? Simplesmente mulher.
- Acho que não.
- Então concordamos, já que de santa eu não tenho nada, mas de mulher tenho muito …(gargalhada)
- Concordo, minha mãe… (risos) Agora entendi, minha mãe. A senhora quer que louvemos o seu dia no Dia Internacional da Mulher, não é isso?
Quero lhe pedir por todas nós
Por aquelas que foram escolhidas
Para dar a vida
Mulheres de todas as espécies
De todos os credos, raças e nacionalidades
Todas aquelas nas quais a vida
Está envolvida em sorrisos, lágrimas, tristezas e felicidades
Aquelas que sofrem por filhos que geraram e perderam
As que trabalham o dia inteiro
Em casa ou em qualquer emprego
Quero pedir pelas mães
Que penam por seus filhos doentes
Quero pedir pelas meninas carentes
E pelas que ainda estão dentro de um ventre
Pelas adolescentes inexperientes
Pelas velhinhas esquecidas em asilos
Sem abrigo, sem família, carinho e amigos
Peço também pelas mulheres enfermas
Que em algum hospital aguardam pela sua hora fatal
Quero pedir pelas mulheres ricas
Aquelas que apesar da fortuna
Vivem aflitas e na amargura
Peço por almas femininas mesquinhas, pequenas e sozinhas
Por mulheres guerreiras a vida inteira
Pelas que não têm como dar à seus filhos o pão e a educação
Peço pelas mulheres deficientes
Pelas inconseqüentes
Rogo pelas condenadas, aquelas que vivem enclausuradas
Por todas que foram obrigadas a crescer antes do tempo
Que foram jogadas na lavoura
Ou em alguma cama devastadora
Rogo pelas que mendigando nas ruas
Sobrevivem apesar dessa tortura
Pelas revoltadas, as excluídas e as sexualmente reprimidas
Peço pela mulher dominadora e pela traidora
Peço por aquela que sucumbiu sonhos dentro de si
Por todas que eu já conheci
Peço por mulheres solitárias e pelas ordinárias
As mulheres de vida difícil e que fazem disso um ofício
E pelas que se tornaram voluntárias por serem solidárias
Rogo por aquelas que vivem acompanhadas
Embora tristes e amarguradas
E por todas que foram abandonadas
As que tiveram que continuar sozinhas
Sem um parceiro, um amigo, um ombro querido
Peço pelas amigas
Pelas companheiras
Pelas inimigas
Pelas irmãs e pelas freiras
Suplico por aquelas que perderam a fé
Que se distanciaram da esperança
Quero pedir por todas que clamam por vingança
E com isso se perdem em sua inútil andança
Rogo pelas que correm atrás de justiça
Que a boa vontade dos homens as assista
Peço pelas que lutam por causas perdidas
Pelas escritoras e as doutoras
Pelas artistas e professoras
Pelas governantes e pelas menos importantes
Suplico pelas fêmeas que são obrigadas a esconder seus rostos
E amputadas do prazer vivem no desgosto
Quero pedir também pelas ignorantes
E por todas que no momento estão gestantes
Por aquela mulher triste dentro do coração
Que vive com a alma mergulhada na solidão
Por aquela que busca um amor verdadeiro
Para se entregar de corpo inteiro
E peço pela que perdeu a emoção
Aquela que não tem mais paz dentro do coração
E rogo, imploro , por aquela que ama
E que não correspondida, vive uma vida sofrida
Aquela que perdeu o seu amor
E por isso, sua alma se fechou
Por todas que a droga destruiu
Por tantas que o vício denegriu
Suplico por aquela que foi traida
Por várias que são humilhadas
E pelas que foram contaminadas
Mãe, quero pedir por todas nós
Que somos o sorriso e a voz
Que temos o sentimento mais profundo
Porque fomos escolhidas tanto quanto você
Para gerar e apesar de qualquer coisa
Amar…
Independente de quem forem nossos filhos
Feios ou bonitos
Amáveis ou rebeldes
Perfeitos ou deficientes
Tristes ou contentes
Mãe, ajuda-nos a continuar nessa batalha
Nessa guerra diária
Nessa luta sem fim
Ajuda-nos a ser feliz como a gente sempre quis
Dai-nos coragem para continuar
Dai-nos saúde para ao menos tentar
Resignação para tudo aceitar
Dai-nos força para suportar nossas amarguras
E apesar de tudo continuarmos a ser sinônimo de ternura
Perdoa-nos por nossos erros
E por nossos insistentes apelos
Perdoa-nos também por nossas revoltas
Nossas lágrimas e nossas derrotas
E não nos deixe nunca mãe, perdermos a fé
E sempre que puder
Peça por nós ao Pai
E lembre-lhe que quando Ele criou EVA
Não deixou com ela nenhum mapa de orientação
Nenhum manual com indicação
Nenhuma seta indicando o caminho correto
Nenhuma instrução de como viver
De como, a despeito de tudo vencer
E mesmo assim…..conseguimos aprender.
Amém!
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