RELIGIÃO UMBANDA

Na Umbanda não há preconceitos nem orgulho. Aprendemos com quem mais sabe e ensinamos aqueles que sabem menos.

“A maior de todas as ignorâncias é rejeitar uma coisa sobre a qual você nada sabe." (H. Jackson Brownk)


Nenhum mistério resiste à fragilidade da luz.Conhecer a Umbanda é conhecer a simplicidade do Universo.

A Umbanda crê num Ser Supremo, o Deus único criador de todas as religiões monoteístas. Os Sete Orixas são emanações da Divindade, como todos os seres criados.

O propósito maior dos seres criados é a Evolução, o progresso rumo à Luz Divina. Isso se dá por meio das vidas sucessivas, a Lei da Reencarnação, o caminho do aperfeiçoamento.

Existe uma Lei de Justiça Universal que determina, a cada um, colher o fruto de suas ações, e que é conhecida como Lei de Ação e Reação.

A Umbanda se rege pela Lei da Fraternidade Universal: todos os seres são irmãos por terem a mesma origem, e a cada um devemos fazer o que gostaríamos que a nós fosse feito.

A Umbanda possui uma identidade própria e não se confunde com outras religiões ou cultos, embora a todos respeite fraternalmente, partilhando alguns princípios com muitos deles

A Umbanda está a serviço da Lei Divina, e só visa ao Bem. Qualquer ação que não respeite o livre-arbítrio das criaturas, que implique em malefício ou prejuízo de alguém, ou se utilize de magia negativa, não é Umbanda.

A Umbanda não realiza, em qualquer hipótese, o sacrifício ritualístico de animais, nem utiliza quaisquer elementos destes em ritos, oferendas ou trabalhos.

A Umbanda não preceitua a colocação de despachos ou oferendas em esquinas urbanas, e sua reverência às Forcas da Natureza implica em preservação e respeito a todos os ambientes naturais da Terra.

Todo o serviço da Umbanda é de caridade, jamais cobrando ou aceitando retribuição de qualquer espécie por atendimento, consultas ou trabalhos mediúnicos. Quem cobra por serviço espiritual não é umbandista.

"Tudo melhora por fora para quem cresce por dentro."

O que a Umbanda tem a oferecer?


Hoje em dia, quando falamos em religião, os questionamentos são diversos. A principal questão levantada refere-se à função da mesma nesse início de milênio.
Tentaremos nesse texto, de forma panorâmica, levantar e propor algumas reflexões a esse respeito, tendo como foco do nosso estudo a Umbanda.

O que a religião e, mais especificamente, a religião de Umbanda, pode oferecer a uma sociedade pós-moderna como a nossa? Como ela pode contribuir junto ao ser
humano em sua busca por paz interior, desenvolvimento pessoal e auto-realização?
Quais são suas contribuições ou posições nos aspectos sociais, em relação aos
grandes problemas, paradoxos e dúvidas, que surgem na humanidade contemporânea?
Existe uma ponte entre Umbanda e ciência (?) _ algo indispensável e extremamente útil, nos dias de hoje, a estruturação de uma espiritualidade sadia.

O principal ponto de atuação de uma religião está nos aspectos subjetivos do “eu”. Antigamente, a religião estava diretamente ligada à lei, aos controles morais e definição de padrões étnicos de uma sociedade _ vide os dez mandamentos
e seu caráter legislativo, por exemplo. Hoje, mais que um padrão de comportamento, a religião deve procurar proporcionar “ferramentas reflexivas” ou
“direções” para as questões existenciais que afligem o ser humano. Em relação a isso, acreditamos ser riquíssimo o potencial de contribuição do universo umbandista, mas, para tanto, necessitamos que muitas questões, aspectos e
interfaces entre espiritualidade umbandista e outras religiões e ciência sejam desenvolvidos, contribuindo de forma efetiva para que a religião concretize um pensamento profundo e integral em relação ao ser humano, assumindo de vez uma
postura atual e vanguardista dentro do pensamento religioso. Entre essas questões, podemos citar:

_ Um estudo aprofundado dos rituais umbandistas, não apenas em seus aspectos “magísticos”, mas também em seus sentidos culturais, psíquicos e sociais. Como uma gira de Umbanda, através de seus ritos, cantos e danças, envolve-se com o
inconsciente das pessoas? Como podem colaborar para trabalhar aspectos “primitivos” tão reprimidos em uma sociedade pós-moderna como a nossa? Como os
ritos ganham um significado coletivo, e quais são esses significados? Grandes contribuições a sociologia e a antropologia podem dar à Umbanda.

_ Uma ponte entre as ciências da mente – como a psicanálise, psicologia – e a mediunidade, utilizando-se da última também como uma forma de explorar e conhecer o inconsciente humano. Mais do que isso, os aspectos psicoterápicos de
uma gira de Umbanda e suas manifestações tão míticas-arquetípicas. Ou será que nunca perceberemos como uma gira de “erê”, por exemplo, além do trabalho espiritual realizado, muitas vezes funciona como uma sessão de psicoterapia em
grupo?

_ A mediunidade como prática de autoconhecimento e porta para momentâneos estados alterados de consciência que contribuem para o vislumbre e o alcance permanente de estágios de consciência superiores. Além disso, por que não a
prática meditativa dentro da Umbanda (?) _ prática essa tão difundida pelas religiões orientais e que pesquisas recentes dentro da neurociência demonstram de forma inequívoca seus benefícios em relação à saúde física, emocional e
mental.

_ Uma proposta bem fundamentada de integração de corpo-mente-espírito.
Contribuição muito importante tanto em relação ao bem estar do indivíduo, como também dentro da medicina, visto que a OMS (Organização Mundial da Saúde) hoje admite que as doenças tenham como causas uma série de fatores dentro de um paradigma bio-psíquico-social caminhando para uma visão ainda mais holística, uma visão bio-psíquico-sócio-espiritual.

_ O estudo comparativo entre religiões, com uma proposta de tolerância e respeito as mais diversas tradições. Por seu caráter sincrético, heterodoxo e anti-fundamentalista, a Umbanda tem um exemplo prático de paz as inúmeras
questões de conflitos étnico-religiosos que existem ao redor do mundo.

_ A liberdade de pensamento e de vida que a Umbanda dá as pessoas também deveria ser mais difundido, visto que isso se adapta muito bem ao modelo de espiritualidade que surge como tendência nesse começo de século XXI. Parece-nos
que a Umbanda há muito tempo deixou de lado a velha ortodoxia religiosa de “um
único pastor e único rebanho”, para uma visão heterodoxa de se pensar espiritualidade, onde ela assume diversas formas de acordo com o estágio de desenvolvimento consciencial de cada pessoa, o que vem de encontro – por exemplo
– com as idéias universalistas de Swami Vivekananda e seu discurso de “uma Verdade/Religião própria para cada pessoa na Terra”. E a Umbanda, assim como
muitas outras religiões, pode sim desenvolver essa multiplicidade na unidade.

_ O resgate do sagrado na natureza e o respeito ao planeta como um grande organismo vivo. Na antiga tradição yorubana tínhamos um Orixá chamado Onilé, que representava a Terra planeta, a mãe Terra. Mesmo que seu culto não tenha se
preservado, tanto nos candomblés atuais como na Umbanda, através de seus outros “irmãos” Orixás, o culto a natureza é preservado e, em uma época crítica em
termos ecológicos, a visão sagrada do planeta, dos mares, dos rios, das matas, dos animais, etc - ganha uma importância ideológica muito grande e dota a espiritualidade umbandista de uma consciência ecológica necessária.

_ O desenvolvimento de uma mística dentro da Umbanda, onde elementos pré-pessoais como os mitos e o pensamento mágico-animista, possam ser trabalhados dentro da racionalidade, levando até mesmo ao desenvolvimento de
aspectos transpessoais, transracionais e trans-éticos dentro da religião. A identificação do médium em transe com o Todo através do Orixá, a trans-ética que deve reger os trabalhos magísticos de Umbanda, os insights e a lucidez
verdadeira que levam a mente para picos além da razão e do alcance da linguagem, o fim da ilusão dualista para uma real compreensão monista através da iluminação, são exemplos de aspectos transpessoais que podem ser (e faltam ser)
desenvolvidos dentro da religião.

_ Os aspectos culturais, afinal Orixá é cultura, as entidades de Umbanda são cultura o sincretismo umbandista é cultura. Umbanda é cultura e é triste perceber o descaso, seja de pessoas não adeptas, como de umbandistas, que
simplesmente não compreendem a importância cultural da Umbanda e da herança afro-indígena na construção de uma identidade nacional. A arte em suas mais
variadas expressões tem na Umbanda um rico universo de inspiração. Cabe a ela apoiar e desenvolver mais aspectos de sua arte sacra.

Essas são, ao nosso entendimento, algumas das “questões-desafios” que a Umbanda tem pela frente, principalmente por ser uma religião nova, estabelecendo-se em um mundo extremamente multifacetado como o nosso. Muito mais
poderia e com certeza deve ser discutido e desenvolvido dentro dela.

Apenas por essa introdução já se pode perceber a complexidade da questão e como é impossível ter uma resposta definitiva a respeito de tudo isso. Muitos
podem achar que o que aqui foi dito esteja muito distante da realidade dos terreiros. Mas acreditamos que a discussão é pertinente, principalmente devido ao centenário, onde muito mais que festas, deveríamos aproveitar esse momento
para uma maior aproximação de ideais e pessoas, além de uma sólida estruturação do pensamento umbandista. Esperamos em outros textos abordar de forma mais profunda e propor algumas idéias a respeito das questões e relações aqui
levantas. Esperamos também que outros umbandistas desenvolvam esses ou outros aspectos que acharem relevantes e caminhemos juntos em busca de uma espiritualidade sadia, integral e lúcida.

"Fernando Sepe''


SORRIA....VOCÊ ESTÁ SENDO IDENTIFICADO!!!!

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Que a força do Amor esteja sempre com você...



Não Acredite em Algo

Não acredite em algo simplesmente porque ouviu. Não acredite em algo simplesmente porque todos falam a respeito. Não acredite em algo simplesmente porque esta escrito em seus livros religiosos. Não acredite em algo só porque seus professores e mestres dizem que é verdade. Não acredite em tradições só porque foram passadas de geração em geração. Mas depois de muita análise e observação, se você vê que algo concorda com a razão, e que conduz ao bem e beneficio de todos, aceite-o e viva-o.


domingo, 5 de dezembro de 2010

A UMBANDA E OS CABOCLOS


Temos observado nos últimos anos um grande interesse dos umbandistas pelos aspectos religiosos da cultura africana e um esquecimento dos apectos da cultura indígena; o que vem, na nossa opinião, colaborando para uma grande distorção dos ensinamentos umbandistas.
Já sabemos que a umbanda é uma religião brasileira, e que possui fundamentos de várias culturas, entre elas a africana.
Por ser brasileira tem em todos os Terreiros a presença dos Caboclos, os donos da terra.
É facil observar que a grande maioria dos Terreiros de Umbanda possuem na figura do Caboclo a do chefe da casa, o mentor do Terreiro.
Estamos nos referindo a Terreiros de Umbanda e não as dezenas de outros cultos existentes como Omoloko, Nação, Batuque, Tambor de Mina, Umbandomble, etc...
Observamos novos adeptos que entram para a Umbanda e rapidamente, mesmo sem se aprofundarem nos ensinamentos umbandistas, acabam buscando fundamentos do Candomblé o que gera uma grande confusão e enfraquecimento da sua fé.
Muitos chegam a frequentar barracões de Candomblé, na ilusão de que receberão mais forças, para seguirem na Umbanda.
Puro engodo!
Isto demonstra somente a total falta de conhecimentos, e falta de fé na religião escolhida, que é a Umbanda.
É importante deixarmos claro que Candomblé e Umbanda são religiões totalmente diferentes em seus fundamentos, autonomas e que em hipotese alguma é possível se mesclar estes fundamentos, procedimento que acaba levando os mais novos a um processo de total destruição da sua fé e dos reais ensinamentos umbandistas.
Quem é Umbandista deve seguir os ensinamentos Umbandistas, quem é de Nação deve seguir os ensinamentos de sua Nação.
Não é possível querer manter um pé em cada canoa...vai chegar uma hora que você vai ficar sem nenhuma das duas e então não nos atrevemos a escrever sobre as consequências...
Pensando nisso, o Núcleo Mata Verde escolheu o ano de 2011 para divulgar e propagar a cultura indígena em nosso meio, estaremos divulgando pela TV Saravá Umbanda ( www.tvsu.com.br ), pelos nosso site ( www.mataverde.org ) e nas palestras realizadas em nossa casa a cultura e religião indigena.
Precisamos urgentemente conhecer os ensinamentos dos donos da Terra, daqueles que vivem aqui neste país a milhares de anos...eles tem muita coisa para nos ensinar.
Segue abaixo texto recolhido na Internet no site: http://pib.socioambiental.org/pt/povo/arawete/110
Abraços,
Saravá Caboclo Mata Verde!
Manoel Lopes - Dirigente do Núcleo Mata Verde

O POVO INDÍGENA

Cosmologia e xamanismo

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No começo os humanos (bïde) e os deuses (Maï) moravam todos juntos. Esse era um mundo sem morte e sem trabalho, mas também sem fogo e sem plantas cultivadas. Um dia, insultado por sua esposa humana, o deus Aranãmi decidiu abandonar a terra. Acompanhado por seu sobrinho Hehede'a, ele tomou seu chocalho de pajé e começou a cantar e a fumar. Cantando, fez com que o solo de pedra onde estavam subisse às alturas. Assim se formou o firmamento: o céu que se vê hoje é o lado de baixo dessa imensa placa de pedra. Junto com Aranãmi e seu sobrinho subiram dezenas de outras raças divinas: os Maï hete, os Awerikã, Marairã, Ñã-Maï, Tiwawi, Awî Peye, Moropïnã. Os Iwã Pïdî Pa subiram ainda mais alto, formando um segundo céu, o "céu vermelho".

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A separação do céu e da terra causou uma catástrofe. Privada de suas fundações de pedra, a terra se dissolveu sob as águas de um dilúvio: o jacaré e a piranha monstruosos devoravam os humanos. Apenas dois homens e uma mulher conseguiram se salvar, subindo num pé de bacaba. Eles são os tema ipi, a "origem da rama": os ancestrais da humanidade atual. Na convulsão provocada pelo dilúvio, alguns Maï procuraram escapar dos monstros afundando na água e criando o mundo inferior, onde habitam hoje, em ilhas de um grande rio subterrâneo.
As marcas da divisão do cosmos estão em toda parte: os morrotes de pedra que pontuam o território araweté são fragmentos do céu que se ergueu; as pedras do igarapé Ipixuna ainda guardam as pegadas dos Maï; as moitas de banana-brava espalhadas na mata são as antigas roças dos deuses, que comiam dessa planta antes de conhecer o milho. As plantas cultivadas e a arte de cozinhar os alimentos foram reveladas aos humanos e aos deuses por um pequeno pássaro vermelho da floresta.


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Bïde, os humanos, são chamados pelos Araweté de "os abandonados", os que foram deixados para trás pelos deuses. Tudo que há em nosso mundo do meio é o que foi abandonado; para os céus foram os maiores animais, as melhores plantas, a mais bela gente - pois os Maï são como a gente, porém mais altos, mais fortes e imponentes. Tudo no céu é feito de pedra, imperecível e perfeito: as casas, as panelas, os arcos, os machados. A pedra é, para os deuses, maleável como o barro para nós. Lá ninguém trabalha, pois o milho se planta sozinho, as ferramentas agrícolas operam por si mesmas. O mundo celeste é um mundo de caçadas, danças, festas constantes de cauim de milho; seus habitantes estão sempre esplendidamente pintados de jenipapo, adornados com penas de cotinga e arara, perfumados com a resina da árvore i d;iri'i (Trattinickia rhoifolia).
Mas os Maï são, acima de tudo, imunes à doença e à morte: eles levaram consigo a ciência da eterna juventude. O exílio dos deuses criou a condição de tudo que é terrestre: a submissão ao tempo, isto é, o envelhecimento e a morte. Mas, se partilhamos dessa comum condição mortal, distinguimo-nos dos demais habitantes da terra por termos um futuro. Os humanos são "aqueles que irão", que reencontrarão os Maï no céu, após a morte. A divisão entre o céu e a terra não é intransponível: os deuses falam com os homens, e os homens estarão um dia à altura dos deuses.

A morte

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A relação entre a humanidade e os deuses, os Maï, é o eixo da religião araweté. Os humanos e os Maï são ligados por relações de afinidade - pois as almas dos mortos casam-se com os deuses - e por um sistema ritual de oferendas alimentares. Os Maï podem (e finalmente irão) aniquilar a terra, fazendo o céu desmoronar. Toda morte tem como causa final a vontade dos Maï, que são concebidos como, ao mesmo tempo, Araweté ideais e canibais perigosos. Entre as dezenas de espécies de Maï, cuja maioria possui nomes de animais, a mais importante são os Maï hete ("deuses verdadeiros"), que transformam as almas dos mortos em seres imortais, após uma operação canibal. Há ainda os Añi, seres selváticos e brutais que habitam a superfície terrestre, que invadem as aldeias e devem ser mortos pelos pajés.
E há o temido Iwikatihã (Senhor do Rio), um poderoso espírito subaquático que rapta as almas de mulheres e crianças.
Os peye (pajés ou xamãs) são os intermediários entre os humanos e a vasta população sobrenatural do cosmos. Sua atividade mais importante é a condução dos Maï e das almas dos mortos à terra, para participar dos banquetes cerimoniais. Esses banquetes cerimoniais são festas em que alimentos produzidos coletivamente são oferecidos aos visitantes celestes antes de serem consumidos pelos humanos. Os alimentos rituais mais importantes são: jabotis, mel, açaí, macacos guaribas, peixes e o mingau alcoólico (cauim) de milho. A festa do cauim é o clímax da vida ritual araweté, e combina simbolismos religiosos e guerreiros. O líder das danças e cantos que acompanham o consumo do cauim é idealmente um grande guerreiro, que aprendeu as canções da boca dos espíritos de inimigos mortos.

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O canto é o núcleo da vida cerimonial. A "música dos deuses" cantada pelos pajés e a "música dos inimigos" cantada pelos guerreiros são os dois únicos gêneros musicais araweté. Em ambas modalidades de canto, trata-se sempre de ouvir as palavras dos 'outros', deuses e inimigos, citadas através de fórmulas retóricas muito complexas.
Os mortos são enterrados em caminhos abandonados na floresta. A morte divide a pessoa em dois aspectos antagônicos: um espectro terrestre associado ao corpo e aos espíritos Añi, e uma alma ou princípio vital celeste associado à consciência e aos Maï. O espectro assombra os vivos enquanto o corpo se decompõe, até que retorna à aldeia natal do finado e ali desaparece. Uma morte provoca a imediata dispersão da população da aldeia na floresta, dispersão que dura o tempo da decomposição do cadáver. A alma celeste é morta e devorada pelos Maï ao chegar ao céu, sendo então ressuscitada mediante um banho mágico que a transforma em um ser divino e eternamente jovem. As almas dos mortos recentes vêm freqüentemente à terra nos cantos dos pajés, falar com os parentes e narrar as delícias do Além. Após duas gerações elas cessam seus passeios, pois ninguém mais na terra recorda-se delas. A condição de guerreiro é a única que torna desnecessária a transubstanciação canibal no céu; os matadores de inimigo, fundidos em espírito com suas vítimas, gozam de um estatuto póstumo especial.

Os Pajés

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Quem passar um tempo entre os Araweté não deixará de se surpreender com o contraste entre a vida diurna e noturna da aldeia. Durante o dia, 'nada acontece' - há, é claro, as caçadas e pescarias, as tumultuadas refeições coletivas, as intermináveis conversas nos pátios familiares ao cair da tarde, a eterna faina do algodão e do milho; mas tudo parece se fazer de um jeito descuidado, ao mesmo tempo errático e monótono, alegre e distraído. Toda noite, porém, madrugada adentro, ouve-se emergir do silêncio das casas um vozear alto, ora exaltado, ora melancólico, mas sempre austero, solene e às vezes, para ouvidos estrangeiros, algo sinistro. São os homens, os pajés cantando o Maï marakã, a música dos deuses. Certas noites, três ou quatro pajés cantam ao mesmo tempo, ou sucessivamente, cada um sua própria visão - pois tais cantares são a narrativa do Maï de d;ã, a visão dos deuses. Às vezes é apenas um: sempre começando por um trautear suave e sussurrado, vai erguendo progressivamente a voz, cuja articulação entrecortada se desenha contra o fundo chiante do chocalho aray, até atingir um patamar de altura e intensidade que se mantém por mais de uma hora, para ir então lentamente descaindo às primeiras luzes da aurora - a "hora em que a terra se desvela", como se diz em araweté - até retornar ao silêncio. Ocasionalmente (o que significa uma ou duas vezes por semana, para cada pajé em atividade), o clímax da canção-visão traz o pajé para fora de sua casa, até o pátio. Ali, dança curvado, com o charuto e o aray, batendo fortemente o pé direito no chão, ofegante, sempre cantando - é a descida à terra das divindades e das almas dos mortos, trazidas por ele, o pajé, de sua viagem ao mundo celeste.
Os Maï e os mortos são música, ou músicos: marakã me'e. Seu modo de manifestação essencial é o canto, e seu veículo é o peye, pajé. Um pajé é chamado Maï de ripã, "suporte das divindades", ou ha'o we moñîña, "cantador das almas". Não há iniciação ou "chamado" formais à pajelança. Certos sonhos, se freqüentes, podem indicar uma vocação de pajé, especialmente os sonhos com onças e com a "Coisa-Onça", um Maï bastante perigoso. Mas mais que alguém que sonha, um pajé é alguém que fuma: petî ã î, "não-comedor-de-tabaco", é o modo usual de se dizer que um homem não é pajé. O tabaco é o emblema, o instrumento de fabricação e de operação do pajé. O treinamento para pajé consiste em um longo ciclo de intoxicações por tabaco, até que o homem mo-kiyaha, "faça-se translúcido", e os deuses "cheguem" até ele.
O tabaco é onipresente na vida araweté - homens, mulheres e crianças fumam. Os charutos de 30 cm, feitos de folhas de tabaco secas ao fogo e enroladas em casca da árvore tauari, são uma coisa social por excelência. O primeiro gesto de recepção a um visitante é a oferta de uma baforada no charuto da casa, aceso expressamente para isso, e após uma refeição coletiva o charuto corre de mão em mão. Jamais se pode recusar um pedido de tabaco, e jamais se fuma sozinho (exceto durante a pajelança - mas aí se está a dividir o charuto com os deuses). Mas se todos fumam, apenas alguns homens são "comedores de fumo"- os pajés. A fumaça de tabaco é um dos principais instrumentos terapêuticos dos pajés: ela é soprada sobre picadas e machucaduras, e também serve para reanimar os desfalecidos. No céu, os Maï sopram fumo de tabaco sobre os mortos para revivê-los.
Ao lado do fumo, o emblema principal do pajé é o chocalho aray. Todo homem casado, como vimos, possui um aray. Ele pode ser usado por "não-comedores-de-tabaco" como instrumento para pequenas curas, e para acompanhar os cantos noturnos de homens que, mesmo sem serem considerados peye, vêem de vez em quando os Maï em sonho. Isso significa que todo homem adulto é um pouco pajé. Ser peye não é um papel social ou uma profissão, mas uma qualidade ou atributo de todo adulto, que pode ser mais ou menos desenvolvido. Alguns homens realizam tal potencial mais plenamente que outros, e são esses que são conhecidos como peye.
O aray é o instrumento transformador por excelência. "Dentro do aray" ou "por meio do aray" é a explicação lacônica e auto-evidente para qualquer indagação sobre como, onde e por que se realizam as operações de ressurreição e metamorfose narradas nos mitos, ou o consumo espiritual dos alimentos pelos Maï quando estes vêm à terra comer nos festins oferecidos pelos humanos, ou as operações terapêuticas de reassentamento da alma e fechamento do corpo executadas pelos pajés. O aray é o receptáculo de forças ou entidades espirituais: as almas perdidas de crianças e mulheres são trazidas de volta dentro do aray até a sua sede corporal, por ocasião do tratamento chamado imone, freqüentemente realizado pelos pajés.
Com tal equipamento - tabaco, chocalho -, o pajé araweté está capacitado a realizar diversas operações de prevenção e cura, que são semelhantes às terapêuticas típicas da América indígena: fumigação com tabaco; sopro resfriador; sucção de substâncias ou princípios patogênicos (empregada nas mordidas peçonhentas e na extração das flechas invisíveis que certos alimentos contêm); e as operações de fechamento do corpo e de recondução da alma. Os maiores pacientes dos pajés nessas duas últimas operações são as crianças pequenas e as mulheres: as primeiras porque ainda têm a alma mal-assentada e o corpo aberto; as segundas porque são o objeto principal da cobiça dos espíritos extratores de almas (vários espíritos terrestres têm este poder maligno) e dos Maï.
O pajé, este comedor de fumo e "senhor do aray" (outro modo de se o designar), é um suporte dos Maï, as divindades que cantam por sua boca. Cantar a "música dos deuses" é a atividade mais freqüente dos pajés, independendo de situações de crise ou de doença. Não há homem adulto que não tenha cantado ao menos uma vez na vida; mas são peye apenas aqueles que costumam cantar quase toda noite.
A música dos deuses é a área mais complexa da cultura araweté. Única fonte de informação sobre o estado atual do cosmos e a situação dos mortos no céu, ela é o rito central da vida do grupo. "O pajé é como um rádio", os Araweté costumavam me explicar. Com isto estão dizendo que ele é apenas um veículo, isto é, que o sujeito da voz que canta está alhures, não dentro do pajé. O pajé não incorpora as divindades e mortos, ele canta-conta o que ouve destes. Um pajé encena ou representa os deuses e os mortos, mas não os encarna: a pajelança araweté não é uma possessão. Um pajé tem consciência do que cantou durante seu 'transe', e sabe o que se passa à sua volta enquanto está a cantar.
Tipicamente, há três posições enunciativas na música dos deuses: um morto, os Maï, o pajé. O morto é o principal enunciador, transmitindo ao pajé o que disseram os Maï. Mas o que os Maï disseram é quase sempre algo dirigido ao morto ou ao pajé, e referente ao morto, ao pajé ou a eles mesmos. A forma normal da frase é assim uma construção polifônica complexa: o pajé canta algo dito pelos deuses, citado pelo morto, referente a ele pajé, por exemplo. Há construções mais simples, em que o pajé canta o que conversam os deuses a respeito dos humanos em geral, e outras mais intrincadas, onde um morto cita a outro o que uma divindade está dizendo sobre um vivente (que não o pajé) etc.
As músicas dos deuses nada têm de sagradas ou esotéricas. Após terem sido cantadas por um pajé, podem ser repetidas por qualquer pessoa, e muitas vezes viram sucessos populares. Só quem não pode repetir um canto é, precisamente, o pajé que o cantou pela primeira e única vez.

http://pib.socioambiental.org/pt/povo/arawete/110

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