RELIGIÃO UMBANDA

Na Umbanda não há preconceitos nem orgulho. Aprendemos com quem mais sabe e ensinamos aqueles que sabem menos.

“A maior de todas as ignorâncias é rejeitar uma coisa sobre a qual você nada sabe." (H. Jackson Brownk)


Nenhum mistério resiste à fragilidade da luz.Conhecer a Umbanda é conhecer a simplicidade do Universo.

A Umbanda crê num Ser Supremo, o Deus único criador de todas as religiões monoteístas. Os Sete Orixas são emanações da Divindade, como todos os seres criados.

O propósito maior dos seres criados é a Evolução, o progresso rumo à Luz Divina. Isso se dá por meio das vidas sucessivas, a Lei da Reencarnação, o caminho do aperfeiçoamento.

Existe uma Lei de Justiça Universal que determina, a cada um, colher o fruto de suas ações, e que é conhecida como Lei de Ação e Reação.

A Umbanda se rege pela Lei da Fraternidade Universal: todos os seres são irmãos por terem a mesma origem, e a cada um devemos fazer o que gostaríamos que a nós fosse feito.

A Umbanda possui uma identidade própria e não se confunde com outras religiões ou cultos, embora a todos respeite fraternalmente, partilhando alguns princípios com muitos deles

A Umbanda está a serviço da Lei Divina, e só visa ao Bem. Qualquer ação que não respeite o livre-arbítrio das criaturas, que implique em malefício ou prejuízo de alguém, ou se utilize de magia negativa, não é Umbanda.

A Umbanda não realiza, em qualquer hipótese, o sacrifício ritualístico de animais, nem utiliza quaisquer elementos destes em ritos, oferendas ou trabalhos.

A Umbanda não preceitua a colocação de despachos ou oferendas em esquinas urbanas, e sua reverência às Forcas da Natureza implica em preservação e respeito a todos os ambientes naturais da Terra.

Todo o serviço da Umbanda é de caridade, jamais cobrando ou aceitando retribuição de qualquer espécie por atendimento, consultas ou trabalhos mediúnicos. Quem cobra por serviço espiritual não é umbandista.

"Tudo melhora por fora para quem cresce por dentro."

O que a Umbanda tem a oferecer?


Hoje em dia, quando falamos em religião, os questionamentos são diversos. A principal questão levantada refere-se à função da mesma nesse início de milênio.
Tentaremos nesse texto, de forma panorâmica, levantar e propor algumas reflexões a esse respeito, tendo como foco do nosso estudo a Umbanda.

O que a religião e, mais especificamente, a religião de Umbanda, pode oferecer a uma sociedade pós-moderna como a nossa? Como ela pode contribuir junto ao ser
humano em sua busca por paz interior, desenvolvimento pessoal e auto-realização?
Quais são suas contribuições ou posições nos aspectos sociais, em relação aos
grandes problemas, paradoxos e dúvidas, que surgem na humanidade contemporânea?
Existe uma ponte entre Umbanda e ciência (?) _ algo indispensável e extremamente útil, nos dias de hoje, a estruturação de uma espiritualidade sadia.

O principal ponto de atuação de uma religião está nos aspectos subjetivos do “eu”. Antigamente, a religião estava diretamente ligada à lei, aos controles morais e definição de padrões étnicos de uma sociedade _ vide os dez mandamentos
e seu caráter legislativo, por exemplo. Hoje, mais que um padrão de comportamento, a religião deve procurar proporcionar “ferramentas reflexivas” ou
“direções” para as questões existenciais que afligem o ser humano. Em relação a isso, acreditamos ser riquíssimo o potencial de contribuição do universo umbandista, mas, para tanto, necessitamos que muitas questões, aspectos e
interfaces entre espiritualidade umbandista e outras religiões e ciência sejam desenvolvidos, contribuindo de forma efetiva para que a religião concretize um pensamento profundo e integral em relação ao ser humano, assumindo de vez uma
postura atual e vanguardista dentro do pensamento religioso. Entre essas questões, podemos citar:

_ Um estudo aprofundado dos rituais umbandistas, não apenas em seus aspectos “magísticos”, mas também em seus sentidos culturais, psíquicos e sociais. Como uma gira de Umbanda, através de seus ritos, cantos e danças, envolve-se com o
inconsciente das pessoas? Como podem colaborar para trabalhar aspectos “primitivos” tão reprimidos em uma sociedade pós-moderna como a nossa? Como os
ritos ganham um significado coletivo, e quais são esses significados? Grandes contribuições a sociologia e a antropologia podem dar à Umbanda.

_ Uma ponte entre as ciências da mente – como a psicanálise, psicologia – e a mediunidade, utilizando-se da última também como uma forma de explorar e conhecer o inconsciente humano. Mais do que isso, os aspectos psicoterápicos de
uma gira de Umbanda e suas manifestações tão míticas-arquetípicas. Ou será que nunca perceberemos como uma gira de “erê”, por exemplo, além do trabalho espiritual realizado, muitas vezes funciona como uma sessão de psicoterapia em
grupo?

_ A mediunidade como prática de autoconhecimento e porta para momentâneos estados alterados de consciência que contribuem para o vislumbre e o alcance permanente de estágios de consciência superiores. Além disso, por que não a
prática meditativa dentro da Umbanda (?) _ prática essa tão difundida pelas religiões orientais e que pesquisas recentes dentro da neurociência demonstram de forma inequívoca seus benefícios em relação à saúde física, emocional e
mental.

_ Uma proposta bem fundamentada de integração de corpo-mente-espírito.
Contribuição muito importante tanto em relação ao bem estar do indivíduo, como também dentro da medicina, visto que a OMS (Organização Mundial da Saúde) hoje admite que as doenças tenham como causas uma série de fatores dentro de um paradigma bio-psíquico-social caminhando para uma visão ainda mais holística, uma visão bio-psíquico-sócio-espiritual.

_ O estudo comparativo entre religiões, com uma proposta de tolerância e respeito as mais diversas tradições. Por seu caráter sincrético, heterodoxo e anti-fundamentalista, a Umbanda tem um exemplo prático de paz as inúmeras
questões de conflitos étnico-religiosos que existem ao redor do mundo.

_ A liberdade de pensamento e de vida que a Umbanda dá as pessoas também deveria ser mais difundido, visto que isso se adapta muito bem ao modelo de espiritualidade que surge como tendência nesse começo de século XXI. Parece-nos
que a Umbanda há muito tempo deixou de lado a velha ortodoxia religiosa de “um
único pastor e único rebanho”, para uma visão heterodoxa de se pensar espiritualidade, onde ela assume diversas formas de acordo com o estágio de desenvolvimento consciencial de cada pessoa, o que vem de encontro – por exemplo
– com as idéias universalistas de Swami Vivekananda e seu discurso de “uma Verdade/Religião própria para cada pessoa na Terra”. E a Umbanda, assim como
muitas outras religiões, pode sim desenvolver essa multiplicidade na unidade.

_ O resgate do sagrado na natureza e o respeito ao planeta como um grande organismo vivo. Na antiga tradição yorubana tínhamos um Orixá chamado Onilé, que representava a Terra planeta, a mãe Terra. Mesmo que seu culto não tenha se
preservado, tanto nos candomblés atuais como na Umbanda, através de seus outros “irmãos” Orixás, o culto a natureza é preservado e, em uma época crítica em
termos ecológicos, a visão sagrada do planeta, dos mares, dos rios, das matas, dos animais, etc - ganha uma importância ideológica muito grande e dota a espiritualidade umbandista de uma consciência ecológica necessária.

_ O desenvolvimento de uma mística dentro da Umbanda, onde elementos pré-pessoais como os mitos e o pensamento mágico-animista, possam ser trabalhados dentro da racionalidade, levando até mesmo ao desenvolvimento de
aspectos transpessoais, transracionais e trans-éticos dentro da religião. A identificação do médium em transe com o Todo através do Orixá, a trans-ética que deve reger os trabalhos magísticos de Umbanda, os insights e a lucidez
verdadeira que levam a mente para picos além da razão e do alcance da linguagem, o fim da ilusão dualista para uma real compreensão monista através da iluminação, são exemplos de aspectos transpessoais que podem ser (e faltam ser)
desenvolvidos dentro da religião.

_ Os aspectos culturais, afinal Orixá é cultura, as entidades de Umbanda são cultura o sincretismo umbandista é cultura. Umbanda é cultura e é triste perceber o descaso, seja de pessoas não adeptas, como de umbandistas, que
simplesmente não compreendem a importância cultural da Umbanda e da herança afro-indígena na construção de uma identidade nacional. A arte em suas mais
variadas expressões tem na Umbanda um rico universo de inspiração. Cabe a ela apoiar e desenvolver mais aspectos de sua arte sacra.

Essas são, ao nosso entendimento, algumas das “questões-desafios” que a Umbanda tem pela frente, principalmente por ser uma religião nova, estabelecendo-se em um mundo extremamente multifacetado como o nosso. Muito mais
poderia e com certeza deve ser discutido e desenvolvido dentro dela.

Apenas por essa introdução já se pode perceber a complexidade da questão e como é impossível ter uma resposta definitiva a respeito de tudo isso. Muitos
podem achar que o que aqui foi dito esteja muito distante da realidade dos terreiros. Mas acreditamos que a discussão é pertinente, principalmente devido ao centenário, onde muito mais que festas, deveríamos aproveitar esse momento
para uma maior aproximação de ideais e pessoas, além de uma sólida estruturação do pensamento umbandista. Esperamos em outros textos abordar de forma mais profunda e propor algumas idéias a respeito das questões e relações aqui
levantas. Esperamos também que outros umbandistas desenvolvam esses ou outros aspectos que acharem relevantes e caminhemos juntos em busca de uma espiritualidade sadia, integral e lúcida.

"Fernando Sepe''


SORRIA....VOCÊ ESTÁ SENDO IDENTIFICADO!!!!

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Que a força do Amor esteja sempre com você...



Não Acredite em Algo

Não acredite em algo simplesmente porque ouviu. Não acredite em algo simplesmente porque todos falam a respeito. Não acredite em algo simplesmente porque esta escrito em seus livros religiosos. Não acredite em algo só porque seus professores e mestres dizem que é verdade. Não acredite em tradições só porque foram passadas de geração em geração. Mas depois de muita análise e observação, se você vê que algo concorda com a razão, e que conduz ao bem e beneficio de todos, aceite-o e viva-o.


quinta-feira, 28 de abril de 2011

RELIGIÕES

 EM BUSCA DA ALMA CELTA

Toda religião é, de alguma forma, válida. São verdadeiras quando compreendidas metaforicamente.
Mas quando elas empacam nas próprias metáforas, quando essas metáforas são interpretadas como fatos, então surgem os problemas.

- Joseph Campbell

Cada povo tem sua espiritualidade, cada época também. Como entidades vivas que são, as religiões evoluem e se transformam ao longo do tempo; adequam-se às mudanças sócio-culturais, absorvem elementos trazidos pelo contato (pacífico ou belicoso) com outras culturas, desenvolvem-se continuamente num processo orgânico e irresistível.
A espiritualidade celta não é exceção: desde suas origens remotas até nossos dias, ela mantém-se viva e vigorosa, manifestando-se de diversas formas através das eras: no estudo do druidismo histórico, no “reconstrucionismo” moderno, no folclore das terras outrora habitadas por tribos celtas, nos elementos absorvidos pelo cristianismo que por ali se desenvolveu, nas modernas re-interpretações, na música e na literatura produzida em idiomas celtas, nos movimentos nacionalistas das nações celtas.
Evidentemente, cada uma dessas múltiplas manifestações é incapaz de apresentar ou representar a Alma Celta por inteiro: quando muito, retratam uma de suas várias facetas. Até por isso, aos desejosos de compreender a herança celta e desfrutar de sua riqueza fica a certeza de que jamais podemos supervalorizar qualquer uma dessas manifestações em detrimento das demais, sob pena de terem uma visão muito simplista – para não dizer distorcida – do que é, de fato, a Alma Celta.

Celta??

Mas a palavra “celta” tem poder e é sedutora: o fato de uma montadora de automóveis brasileira dar esse nome a um de seus produtos num país sem herança celta direta é prova disso. Por conta desse poder, o termo “celta” acaba sendo empregue sem muito critério – e por vezes, sem muito escrúpulo – em contextos no mínimo contraditórios. Abaixo, alguns exemplos históricos:
• Ao se depararem com vestígios arqueológicos antigos – como Stonehenge e outras estruturas megalíticas – os primeiros arqueólogos não hesitaram em atribuir tais estruturas aos celtas - dólmens eram "mesas dos druidas", menires eram "pedras druídicas";
• Ansiosos por atrair a aura mágica que os celtas evocam, no século XIX lojas maçônicas inglesas afirmavam descender dos celtas que, milênios antes, povoaram a Grã-Bretanha;
• Para fomentar o sentimento de identidade cultural em seus conterrâneos durante os movimentos nacionalistas do século XIX, pensadores irlandeses e galeses apelaram para a mística celta;
• Ao desenvolver seu novo sistema mágico em meados do século XX, o inglês Gerald Gardner afirmou que a wicca era a "sobrevivência das tradições espirituais dos celtas";
• Esse mesmo discurso já havia sido utilizado poucas décadas antes pelo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail ao compilar a “Doutrina Espírita” como sendo uma "herança dos druidas da Gália celta".
Mas não é só no passado que o termo celta é mal empregue: em tempos mais recentes, música new-age é rotulada como "celta"; desenhos tribais modernos são descritos como "celtas" e toda sorte de sandice e delírio espiritual pode ser, infelizmente, catalogado como "druidismo."

Diversidade

Mesmo entre os que se propõem a um resgate mais estruturado da espiritualidade celta e que levam a sério o que fazem, as divergências sobre "o que é e o que não é celta" surgem com freqüência. Um dos motivos é facilmente compreendido através das paalvras do Dr. Simon James: “As diferenças entre os povos da Antigüidade atualmente chamados de celtas eram no mínimo tão profundas e importantes quanto os elementos culturais ‘celtas’ que lhes eram comuns. Aquilo que é tido e havido como típico do “pacote cultural” celta – guerreiros, druidas, arte abstrata de linhas entrelaçadas, etc. etc. – pode muito bem não passar de uma criação moderna”.
Em outras palavras, até mesmo no estudo mais rígido e acadêmico sobre os celtas em nossos dias podemos encontrar concepções facilmente rotuladas como celtas mas que, no fundo, podem não ser mais do que uma simplificação conveniente de um universo sócio-cultural e espiritual muito mais complexo, diversificado e heterogêneo do que muitos gostariam que fosse.
Em seus estudos sobre a espiritualidade da Irlanda ao longo das eras, a autora Patricia Monaghan afirma que "a espiritualidade irlandesa não é puramente celta, mas uma mescla da religião celta com a misteriosa espiritualidade nativa que precedeu os celtas - a cultura dos círculos de pedra e da própria terra da Irlanda". Se isso se aplica à Irlanda, hoje a principal fonte de conhecimento para quem deseja compreender a história e a espiritualidade dos celtas, certamente se aplica também a outras regiões em que os celtas se instalaram.
Por tudo isso, aos que desejam conhecer a fundo a Alma Celta os desafios são muitos: o primeiro deles é identificar o quanto há de fato e o quanto há de fantasia na afirmação “isto é celta”. Outro ponto crucial é diferenciar (ou seria melhor combinar?) os termos “religião celta” e “espiritualidade celta”.

Religião & Espiritualidade

No ocidente, por força de muitos séculos de rigidez hierárquica, distanciamento impessoal e dogmatismo, para muitas pessoas a palavra “religião” evoca sentimentos de rejeição. Acabamos por esquecer que na origem da palavra “religião” está a mesma raiz de “religar”, no sentido de reconectar. A compreensão desse fato devolve leveza à palavra e faz dela praticamente um sinônimo de outro termo: “espiritualidade”. Livre do peso atribuído por alguns ao vocábulo religião, o termo espiritualidade define a manifestação espiritual, o conjunto de crenças e as práticas voltadas para a inter-relação de alma para alma entre um indivíduo e o mundo em que vive. Por conta disso, nestas páginas e em meus cursos e palestras utilizo ambos os termos - religião e espiritualidade - com esse único e mesmo significado.
Os mitos fundamentais do cristianismo e do islamismo não são mais críveis do que
os mitos hindus, a religião dos antigos gregos ou o druidismo.
N
enhuma religião tem o direito de afirmar ser a única detentora da verdade.
- Jean Markale

Druidismos

Em escala menor, mas seguindo os mesmos princípios usados acima para tratar dos termos religião e espiritualidade, o termo “druidismo” acaba sendo muitas vezes usado como sinônimo para “espiritualidade celta”, mesmo que para muitos a Alma Celta se manifeste sem esse rótulo. Afinal, se por um lado o druidismo pré-cristão era politeísta e bastante xamânico, por outro há muitos elementos tradicionalmente associados à espiritualidade celta incorporados ao cristianismo da Irlanda, por exemplo.

Da mesma forma, certamente há hoje quem diga que o druidismo moderno é a “religião celta” – no sentido de promover uma hierarquia, uma rigidez e um dogmatismo que, de fato, tornam o druidismo apresentado por essas correntes semelhante a muitas das modernas religiões institucionalizadas monoteístas. Segundo essas correntes, o druidismo possui um conjunto de crenças fixo, bem como práticas rígidas e uma estrutura hierárquica à qual o praticante deve se enquadrar para desfrutar de uma vivência plena. Mas essa não é a única percepção do druidismo.
Para outros grupos, o druidismo é uma “Espiritualidade Verde”, uma forma de eco-espiritualidade que promove a natureza e restaura a conexão com suas forças e energias. Em outras palavras, o druidismo seria, segundo este grupo de praticantes, uma forma de “xamanismo celta”. Para outros mais, o druidismo é um meio de fomentar a identidade cultural de seu povo e sua cultura, incentivando a produção poética e musical em idiomas celtas e sem nenhuma conotação espiritual.
Doutrina iniciática, xamanismo, nacionalismo: qual dessas percepções do druidismo está certa? Como vimos acima, todas essas vertentes são válidas quando emanam do druidismo histórico, mas nenhuma é “mais pura” do que as demais.
Isto porque, simplesmente, não existe druidismo “puro”: em sua própria origem, a espiritualidade celta é a soma de percepções espirituais distintas oriundas de diferentes culturas que travaram contato entre si ao longo da história (ver mais em “História”) – e o mesmo processo de fusão sincrética continuou a ocorrer mesmo depois que o “druidismo histórico” foi identificado como tal pelo mundo clássico. Ademais, dada a vasta extensão territorial ocupada por tribos celtas, sua autonomia e a ausência de um poder centralizador na cultura celta, é seguro afirmar que a espiritualidade dos celtas diferia muito de tribo para tribo, de região para região.

Diversidade Ancestral

Consciente ou inconscientemente, essa diversidade original permanece visível na vasta miríade de correntes druídicas de nossos tempos: nas palavras de Philip Shalcrass, fundador da British Druid Order, "muitas das correntes druídicas britânicas modernas não têm nada em comum, salvo o fato de se auto-entitularem “druidas”..."
Diversidade na origem, diversidade no desenvolvimento, diversidade em nossos tempos: liberdade e autonomia parecem ser características intrínsecas da Alma Celta ao longo das eras, o que naturalmente impede qualquer tentativa de padronizá-la, unificá-la ou institucionalizá-la.
Evidentemente que isso pode gerar confusão em quem se interessa pela espiritualidade celta: então todos os que afirmam ser druidas têm direito a tal afirmativa? A resposta quem deve dar, claro, é o próprio interessado: mas é conveniente lembrar que é possível estar mais de acordo com o chamado 'druidismo histórico', bastando para isso mergulhar mais a fundo nas origens e crenças dos primeiros druidas. Um grupo de buscadores da Alma Celta dedica-se com especial afinco a essa missão: interessados no resgate mais realista e responsável possível da espiritualidade celta ancestral, eles se auto-denominam ‘reconstrucionistas’.

Reconstrucionismo Celta

Para os celtas, não havia separação entre corpo, mente e alma: a soma de todos cria o Todo. Assim, não pode haver separação entre ‘espiritualidade” (no que cremos), “vida cotidiana” (o que fazemos), e “filosofia” (no que pensamos). A partir do resgate dessa percepção, a partir de fontes historicamente coerentes, os chamados reconstrucionistas celtas” pesquisam as crenças, os valores e as práticas (tanto religiosas quanto de conduta social) dos antigos celtas com o objetivo de resgatá-las para nossos dias.

Em muitos aspectos, pode-se dizer que os limites entre um druida moderno e um reconstrucionista celta se misturam e se confundem saudavelmente, pois a ambos interessa sobremaneira a compreensão de quem foram os celtas, no que criam e o que faziam. Nas palavras de um autor reconstrucionista, “o título ‘druida’ nada mais é do que um termo moderno auto-aplicado. Tem o mesmo peso que ‘cristão’, ou ‘judeu’, ou ‘budista’. Assim, não reclamo para mim essa designação, mas admito buscar seu sentido original.”
Parece que a questão da utlização ou não do termo ‘druida’ para designar alguém que procure o resgate da Alma Celta é meramente semântica. Seja como for, o druidismo moderno e o reconstrucionismo celta não são as únicas manifestações atuais da busca por essa Alma Celta.

Cristãos Celtas

A escrita era praticada pelos clérigos que hoje chamamos de 'monges irlandeses' para diferenciá-los das grandes ordens monáquicas continentais - beneditinos, agostinianos e cistercienses. Ao cristianismo que praticavam damos o nome de 'cristianismo celta', pois era muito diferente tanto em disciplina quanto em expressão artística da igreja de Roma. A tradição religiosa nativa chegou ao fim em 1169-70, quando Henry II da Inglaterra, com o beneplácito do Papa Adriano IV, submeteu a Irlanda ao controle de Roma.
- James MacKillop
Historicamente, há uma “Igreja Celta”, também conhecida como Igreja Culdee (a partir do irlandês Céli Dé, “companheiros de Deus”), que teria surgido na Irlanda Medieval e se mantido ativa até nossos dias. Da mesma forma que rejeitam as reformas introduzidas ao cristianismo pelo Concílio de Nicéia, os Culdees também repudiam aquilo a que chamam de “revisionismo neopagão” – ou seja, a Igreja Culdee é uma corrente espiritual estritamente cristã, que tem como fundamentos de suas práticas e crenças as práticas e crenças dos primeiros séculos do cristianismo na Irlanda.
Sabemos que o cristianismo que se desenvolveu na Irlanda possuía características bastante individuais – muito em função da influência do pensamento e da espiritualidade celta pré-cristã preservada pelos primeiros monges irlandeses. Para muitos estudiosos, como James MacKillop, autor da frase acima, esses primeiros monges cristãos haviam sido eles próprios druidas e bardos que, ao aceitarem o cristianismo, trazem para o seio deste diversos elementos de suas crenças ancestrais e dão origem na Irlanda a uma vertente cristã única, tipicamente irlandesa. Esse cristianismo desenvolve-se por séculos livre do jugo do Vaticano e preservam, ainda que adequados à mentalidade cristã, muitos elementos da espiritualidade celta pré-cristã. Resgatar esses elementos primitivos do cristianismo irlandês é a proposta dos Culdees modernos.
Há atualmente outras denominações cristãs que utilizam o nome “igreja celta” para se identificar e que afirmam resgatar algo do cristianismo original da Irlanda: a Celtic Christian Chruch (igreja cristã celta), a Chruch of the Ninth Wave (Igreja da Nona Onda), a Church of the Culdees, (Igreja dos Culdees) e a Celtic Epischopal Church (Igreja Episcopal Celta), para citar algumas. O quanto há de ‘originalmente celta’ em suas crenças e práticas, contudo, é matéria para uma pesquisa profunda e cuidadosa.


Alma Celta na Irlanda – Poesia e Folclore

Não há uma única canção ou lenda transmitida nas vilas da Irlanda que não tenha letras e pensamentos capazes de nos conduzir para longe, pois apesar de conhecermos pouco de suas origens, sabemos que são como genealogias medievais que remetem, com a mais pura integridade, ao início dos tempos.
- WB Yeats, The Celtic Twilight


Ainda dentro do universo do “cristianismo celta”, vamos encontrar uma das mais ricas manifestações da Alma Celta: o rico folclore e as manifestações populares do catolicismo irlandês.
A pesquisa e, em especial, a visita à Irlanda revelam que muitas crenças originais da espiritualidade celta (o animismo, a percepção da sacralidade da paisagem, a proximidade do divino) e mesmo suas práticas (adoração de nascentes, bosques e árvores, peregrinações, preces e bênçãos) podem ser identificadas no dia-a-dia dos irlandeses, sobretudo nas áreas mais rurais. Eis porque a Irlanda é e sempre será a mais rica fonte para o resgate da Alma Celta (razão pela qual criei a seção “Irlanda” deste website, com a intenção de oferecer uma percepção mais clara dos processos históricos da Alma Celta naquelas terras). E o que dizer da presença da Alma Celta na moderna literatura irlandesa? As palavras inspiradas de escritores como John Millington Synge, Lady Augusta Gregory e, sobretudo, William Butler Yeats foram instrumentais para o resgate e a preservação dos mitos e lendas que tão prontamente nos mostram o rosto da Alma Celta.
Contudo, da mesma forma que o catolicismo e o folclore da Irlanda ecoam traços tênues mas inconfundíveis desse mesmo rosto, também na obra de outros autores irlandeses - James Joyce, Seamus Heaney, Francis Ledwidge, Patrick Kavanagh, Flann O'Brien e tantos outros - olhos que sabem buscar são capazes de encontrar a força e a essência da Alma Celta. Estes escritores são os herdeiros diretos dos bardos e Fíli (poetas do sagrado) da Irlanda celta – afinal, usam da mesma magia – a Palavra – para entender e explicar o mundo, nossas emoções e nós mesmos.

Flann O'Brien e, ao fundo, os personagens de seu mágico "At Swim-Tweo-Brids":
No alto da árvore, Suibhne Geilt sai das lendas do passado para interagir com
cowboys na Dublin do século XX - os mitos não morrem jamais.
Mais adiante, veremos que o druida não era um mero sacerdote dos povos celtas, pois também desempenhava muitas outras funções; veremos também que druida” é um termo abrangente, sob o qual se agrupam também o ‘bardo’ e o ‘ovate’. Na sociedade celta, cada um desses indivíduos – bardos, ovates e druidas - possuía sua área de atuação, que ia do sacerdócio à medicina, da justiça à diplomacia, da administração pública ao xamanismo.
Cada uma era complementada pelas outras duas de forma orgânica e natural, pois tanto bardos quanto ovates e druidas operavam, cada um a seu modo, com a Alma Celta. De modo análogo, tanto o druidismo moderno quanto o reconstrucionismo celta, assim como o folclore cristão das terras celtas e também a moderna literatura dessas terras nos trazem vislumbres – incompletos, mas complementares - da Alma Celta.
Alheia a limites e livre para se manifestar em toda a sua multiplicidade, a Alma Celta transcende os rótulos: druidismo, reconstrucionismo celta, culdee, cristianismo celta, folclore irlandês, literatura e poesia: quer conhecer a Alma Celta? Aqui ela está - em todos esses simultaneamente, em nenhum somente.

Um comentário:

Claudio Quintino disse...

O Conteúdo deste texto está registrado na Biblioteca Nacional - Lei Federal 9.610/98.
Peço por favor que seja dado o crédito à fonte original: Claudio Quintino Crow

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