Por Alexandre Cumino
“ Sabemos que existem várias correntes de pensamento dentro da Umbanda e também muitas formas de prática-lá, ainda que todas se mantenham fiéis à participação dos espíritos nos seus trabalhos ou sessões. Não consideramos nenhuma das correntes melhor ou pior, nem mais ou menos importante para a consolidação da Umbanda.Todas foram, são e sempre serão importantes, pois só assim não se estabelecerá um domínio e uma paralisia geral na assimilação e incorporação de novas práticas ou conceitos renovadores.
Há quem defenda um ‘tipo ideal’ de Umbanda, descartando outras formas de praticá-la; assim, alguns reconhecem e outros negam as várias Umbandas. Creio que podemos trilhar um caminho do meio, no qual a Umbanda é uma, com uma liberdade litúrgica que lhe permite certas variantes, desde que estas não desvirtuem seus fundamentos básicos. A pluralidade deve existir enquanto não colocar em risco a unidade. Por exemplo, faz parte de seus fundamentos básicos, portanto de sua unidade, não cobrar pelos trabalhos; logo, ela pode ter variantes, mas nenhuma delas deve cobrar para realizar trabalhos espirituais. Logo, falar de Umbanda é falar de sua unidade, assim como falar de Umbandas é falar de sua pluralidade. Abaixo apresento algo dessa pluralidade para nossa reflexão:
Umbanda Branca: O termo pode ter surgido da definição de Linha Branca de Umbanda, usada por Leal de Souza e adotada por tantos outros. A idéia seria de que a Umbanda era uma ‘Linha’ do Espiritismo ou forma de praticar Espiritismo, na qual a Linha Branca se divide em outras sete linhas. Considerar a Umbanda como Branca subentende-se muitas coisas, entre elas, que possa haver outras umbandas, de outras cores e ‘sabores’. Mas a questão de ser branca está muito mais ligada ao fato de associar ao que é ‘claro’, ‘limpo’, leve’ ou simplesmente ausente do ‘preto’, ‘escuro’ ou ‘negro’ – há um preconceito subentendido -, afinal é uma Umbanda mais ‘branca’ que ‘negra’, mais européia que afro e, porque não, mais Espírita. Geralmente, usa-se esta qualificação, ‘Umbanda Branca’, para definir trabalhos de Umbanda com a ausência do que chamamos de “Linha da Esquerda’, para Leal de Souza uma ‘Linha Negra’. Ainda hoje, muitos se identificam dessa forma e, geralmente, usam isso como um ‘recurso’ para ‘livrar-se’ do preconceito de outros, como dizer: Sou Umbandista, mas da Umbanda Branca – como quem afirma pertencer à ‘Umbanda boa’. Não há uma ‘Umbanda Negra’ ou ‘Umbanda Ruim’, toda Umbanda é boa.
Umbanda Pura: Ao propor o Primeiro Congresso de Umbanda em 1941, o grupo que assumiu essa responsabilidade esperava apresentar uma ‘Umbanda Pura’ (‘desafricanizada’ e ‘orientalizada’), presente na classe média do Rio de Janeiro. É a Umbanda praticada pelo ‘grupo fundador da Umbanda’ ou simplesmente o grupo intelectual carioca que lutou pela legitimação da Umbanda, criando a Primeira Federação Espírita de Umbanda do Brasil, o Primeiro Congresso Brasileiro do Espiritismo e o Primeiro Jornal de Umbanda. Esse grupo pretendia ua ‘codificação’ da Umbanda em seu estado mais algo a ser questionado, independentemente de qual tradição lhe tenha dado origem, pois por trás de uma cultura sempre há outras culturas, sucessivamente, desde que o Homem é sapiens e religiosus.
Umbanda Popular: É a pratica da religião de Umbanda sem muito conhecimento de causa, sem estudo ou interesse em entender seus fundamentos. É uma forma de religiosidade na qual vale apenas o que é dito e ensinado de forma direta pelos espíritos. O único conhecimento válido se costuma fazer referência a outras filosofias ou justificar suas práticas de forma ‘intelectualizada’. Eximindo-se de autoexplicar-se, reforçam a caracteristica mística da religião, em que, independentemente de ‘racionalizações’, a prática se sustenta em razão da quantidade de resultados positivos alcançados. Podemos dizer que os adeptos, muitas vezes, não sabem ou não tem certeza de como as coisas funcionam, mas sabem que funcionam. É aqui que muitas vezes deparamos com médiuns que afirmam, sobre a Umbanda, que não sabem de nada do que estão fazendo, mas que seus guias espirituais (Caboclo e outros) sabem, e isto lhe basta.
Outrora, alguns afirma que médium não pode saber de nada de Umbanda, para não mistificar. Muitos caem na armadilha do tempo, em que o jovem de outrora agora já sabe de muita coisa que finge não saber, para manter essa idéia de que nada sabe. Enfim, ,para nós acreditarmos no estudo dentro da religião, é muito difícil abordar um seguimento que não se interessa pela leitura, embora deve-se reconhecer, para não incorrer no erro, que muitos estudam e conhecem muito das realidades espirituais que nos cercam e ainda assim preferem manter-se junto de uma forma ‘pura’ de contato espiritual desintelectualizado.
Umbanda Tradicional: Essa qualificação serve para identificar a ‘Umbanda Branca’, ‘Umbanda Pura’ ou ‘Umbanda Popular’, que são formas mais antigas, mais conhecidas e mais populares de praticar Umbanda, muito embora esse perfil esteja mudando. Creio que hoje os terreiros que se adaptaram a uma linguagem mais jovem, mais intelectualizada e racional estão em franco crescimento, tendo em vista que no local de desinformação e/ou bagunça a Umbanda ainda vai secar; e nesse mesmo solo vai ressurgir novas gerações: crianças que em algum momento, visitaram um terreiro. Essa criança de ontem, adultos de hoje, podem nos dizer o quanto foi importante o trabalho da linha das Crianças para a multiplicação da religião. Tantos se perguntam como criar cursos para as crianças na Umbanda, como um ‘catecismo’ de Umbanda, ou Umbanda para crianças, preocupados em como preparar e ensinar religião a nossos filhos. Se os terreiros mantivessem um trabalho periódico com a incorporação das Crianças espirituais (Erês), bastava que este se tornasse o dia de nossos filhos na Umbanda, e nesse dia nossos filhos aprenderiam sobre Umbanda direto com essas entidades. A curiosidade levaria nossos filhos a questionar e querer aprender mais sobre a Religião... Portanto, a idéia de estudar Umbanda está na base de crescimento e multiplicação da mesma.
Umbanda esotérica ou Iniciática: É uma forma de praticar a Umbanda estudando os fundamentos ocultos, conhecidos apenas dos antigos sacerdotes egípcios, hindus, maias, incas, astecas, etc. O conhecimento esotérico (fechado) dos arcanos sagrados, desvelado por meio de iniciações. Foi idealizado com inspiração na obra de Blavatsky, Ane Bessant, Saint-Yves D’ Alveydre, Leterre, Domingos Magarinos (Epiaga), Eliphas Levi, Papus, etc. Os fundamentos esotéricosda Umbanda foram organizados pela Tenda Espírita Mirim e apresentados, alguns deles, no Primeiro Congresso Brasileiro de Espiritismo de Umbanda.
O primeiro autor que trouxe esse tema para a literatura umbandista foi Oliveira Magno, 1951, com o título A Umbanda Esotérica e Iniciática. (...) recebeu contribuições de Tata Tancredo e Aluizio Fontenele. A primeira Escola Iniciática Umbandista foi o Primado de Umbanda, mais uma iniciativa do Caboclo Mirim. Já na segunda e terceira geração de autores Umbandistas surgirão alguns que consideram esse movimento como o único a expressar uma verdade na qual todo o restante faria uma convergência; algo que remonta a idéia de evolução, pois quando toda a Umbanda e até alguns cultos afro-brasileiros evoluíssem, finalmente, se identificariam com a Umbanda Esotérica, o que ainda hoje é a verdade de muitos umbandistas. Portanto, fica nosso respeito a todas as formas de praticar Umbanda, mas que nossa palavra seja forte e incisiva ao afirmar que não existem eleitos detentores da verdade. Existem sim algumas variantes dentro do que pode ser considerado Umbanda, e outras que se colocam à margem de seus fundamentos de caridade e religião brasileira.
Umbanda Traçada, Mista e Omolocô: São nomes usados para identificar uma Umbanda praticada com influência maior dos Cultos de Nação ou do Candomblé brasileiro, em que se combinam os fundamentos e os preceitos oriundos das culturas africanas com as entidades de Umbanda. Pode-se ter os tradicionais rituais de Camarinha, Bori, Ebós e oferenda de animais com seus respectivos sacrifícios. Muitos chamam essa variação de Umbandomblé. O autor, médium, sacerdote e presidente da Federação que mais defendeu a origem africana de Umbanda foi Tata Tancredo. Autor de inúmeros títulos de Umbanda, ele publicou seu primeiro livro, Doutrina e ritual de Umbanda, 1951, em parceria com Byron Torres de Freitas, sendo defensor da variação chamada Omolocô, da qual é seu idealizador no Brasil. Para muitos, Omolocô é outra religião e não apenas um seguimento da Umbanda, mas apenas os adeptos do Omolocô podem dizer qual é a sua pertença, por mais que se concorde ou discorde de seus fundamentos.
Umbanda de Caboclo: É uma variação de Umbanda em que prevalece a presença do Caboclo, muitas vezes acreditando que a Umbanda é, antes de mais nada, a prática dos índios brasileiros revista pela cultura moderna e doutrina com conceitos que foram sendo absorvidos com o tempo. Decelso escreveu o título Umbanda de Caboclo para explicar essa variação de Umbanda.
Umbanda de Jurema: No Nordeste, existe um culto popular chamado Catimbó ou Linha dos Mestres da Jurema, que combina a cultura indígena com a cultura católica, somando valores da magia européia e, de vez em quando, algo da cultura afro. O principal fundamento é o uso da Jurema Sagrada, como bebida e também misturada no fumo, que vai ao fornilho tradicional cachimbo, também chamado de ‘marca’, feito de Jurema ou Angico. As entidades que se manifestam são chamadas de Mestres da Jurema. A Umbanda herdou a manifestação do Mestre Zé Pelintra, que pode vir como Exu, Baiano, Preto-Velho ou Malandro. Quando se combina os fundamentos de Umbanda e Catimbó, temos essa modalidade, que pode ser uma Umbanda regional de Pernambuco ou pratica de forma intencional pelo umbandista que se interessou pela Jurema e descobriu a Linha de Mestres dentro de sua Umbanda.
Umbandaime: O Santo Daime é uma religião nativa do Amazonas, sendo uma variação da Ayuasca que é um chá preparado com duas ervas de poder, o cipó Mariri e a folha da Chacrona. De tanto ter visões de entidades de Umbanda e Orixás em rituais do Daime, alguns grupos de umbandistas passaram a praticar o Umbandaime, ou seja, trabalhos de Umbanda ingerindo o Daime ou fazendo os rituais de Ayuasca, para se comunicar com as entidades de Umbanda. A Umbanda em si não tem seus fundamentos o uso de bebidas enteógenas, fora os tradicionais café, cerveja, vinho, ‘pinga’, batida de coco, e outros, que servem apenas como ‘curiador’ (elemento usado para potencializar alguma ação espiritual ou magistica. Cada linha de trabalho tem sua ‘bebida-curiador’, entretanto, nem a bebida nem o fumo são carregados de erva que induza ao estado de transe. A própria bebida deve ser controlada. Podem, no entanto, ser consideradas bebidas de poder, como o ‘vinho da jurema’; contudo, a bebida não é o centro do ritual, e sim um elemento auxiliar. No caso do Daime, este está no centro do culto, o poder que se manifesta por meio do chá é que conduz o adepto. Na Umbanda, quem conduz o trabalho são os espíritos guias, com ou sem Daime.
Umbanda Eclética: Chama-se eclética a Umbanda que mistura de tudo um pouco, fazendo, por exemplo, uma bricolagem de Orixás com Mestres Ascensionados e divindades. Recorrem à conhecida Linha do Oriente para justificar a presença de tantos elementos diferentes do Oriente e Ocidente junto do esoterismo, ocultismo e misticismo.
Umbanda Sagrada ou Umbanda Natural: Quando começou a psicografar e dar palestras, Rubens Saraceni sempre dizia que fazia questão de se referir à Umbanda como Sagrada. Não havia intenção de criar uma nova Umbanda, apenas ressaltar uma qualidade inerente à mesma. Na apresentação de seu primeiro título doutrinário Umbanda: o ritual do culto à Natureza, publicado em 1995, afirma que o livro em questão guarda uma coerência bastante grande, o de trilhar em um meio termo entre o popular e o iniciático, ou entre o exotérico e o esotérico. Já no Código de Umbanda, no capítulo ‘Umbanda Natural’, cita: Umbanda Astrológica, Filosófica, Analógica, Numerológica, Oculta, Aberta, Popular, Branca, Iniciática, Teosófica, Exotérica e Esotérica. Para então afirmar que: Natural é a Umbanda regida pelos Orixás, que são senhores dos mistérios naturais, os quais regem todos os pólos umbandistas aqui descritos. Muitos optam por substituir a designação de ‘Ritual de Umbanda Sagrada’, dada a Umbanda Natural [...]. Fica claro que, para o autor, a Umbanda é algo natural e sagrado, adjetivos que se aplicam ao todo da Umbanda e não a um segmento em particular. No livro As sete linhas de Umbanda, volta a citar as várias ‘Umbandas’ e comenta que, na verdade, e a bem da verdade, tudo são seguimentações dentro da religião Umbandista [...]. Ainda assim, sem a intenção de criar novas abordagens para outros tantos, criando uma Teologia de Umbanda.
Seus conceitos se expandiram muito rapidamente, assim como a popularidade de títulos como O guardião da meia-noite e Cavaleiro da estrela guia. Sua forma de apresentar, entender e explicar a Umbanda foi identificada ou rotulada de Umbanda Sagrada. Palavra que para este autor engloba toda a Umbanda, como um Todo também chamado de Umbanda Natural.
Umbanda Cristã: A Umbanda, fundada no dia 15 de novembro de 1908, tem no Caboclo das Sete Encruzilhadas a entidade que lançou seus fundamentos básicos. Logo na primeira manifestação, essa entidade já esclareceu que havia sido, em uma de suas encarnações, o frei Gabriel de Malagrida, um sacerdote cristão que queimado na ‘Santa Inquisição’ por ter previsto o terremoto de Lisboa, sendo que, posteriormente, havia nascido como índio no Brasil.
Ao dizer qual seria o nome do primeiro templo da religião, Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, porque ‘assim como Maria acolheu Jesus, Da mesma forma a Umbanda acolheria seus filhos’, já dava uma diretriz cristã à nova religião. Há um conto sobre o Caboclo das Sete Encruzilhadas que diz ter sido chamado por Maria, Mãe de Jesus, para semear a nova religião.
Todo trabalho e doutrina de Zélio de Moraes tem esse perfil cristão, subentendendo Umbanda Cristã, antes de ser ‘Umbanda Branca’ ou ‘Umbanda Pura’, outros adjetivos que foram associados à sua forma de praticá-la.
Jota Alves de Oliveira crê na Umbanda Cristã e nos apresenta uma reflexão sobre essa forma de entender a Umbanda no Livro Umbanda Cristã e brasileira:
A Umbanda com a qual nos identificamos é aquela que tem finalidades elevadas e educativas, onde se recomenda a reforma e a lei de amor ao próximo. Onde se aconselha o perdão e não se atiça o consulente à luta, ao acirramento. Onde já foi substituído o olho por olho, de Moisés, pelo ensino de Jesus: quem com o ferro fere com o ferro será ferido, que corresponde a outro ensinamento: com a mesma medida que medires sereis medidos. De modo que, além do passe e do conselho, ou da corrente de descarga, o adepto ou simpatizante tenha em vista a sua reforma, a sua melhoria, tanto moral-espiritual como material, em sentido de seu aperfeiçoamento.
A Orientação Doutrinária do evangelizado Espírito do Caboclo das Sete Encruzilhadas nos levou a considerar e historiar seu trabalho enriquecido das lições do evangelho de Jesus, com a legenda: Umbanda Cristã e brasileira.
No mesmo livro encontramos as palavras do Caboclo das Sete Encruzilhadas, gravadas por Lilia Ribeiro em novembro de 1971, em fica claro a relação de importância cristã da Umbanda propagada por Zélio de Moraes, como vemos a seguir:
Tenho uma coisa a vos pedir: se Jesus veio ao Planeta Terra na humilde manjedoura, não foi por acaso. Assim o Pai determinou. Podia ter procurado a casa de um potentado da época, mas foi escolher aquela que havia de ser Sua Mãe, esse espírito que viria traçar à humanidade os passo para obter paz, saúde e felicidade.
Que o nascimento de Jesus, a humildade em que ele baixou à Terra, a estrela que iluminou aquele estábulo, sirvam de exemplos, iluminando os vossos espíritos, tirando os escuros da maldade por pensamento, por práticas e ações; que Deus perdoe as maldades que possam ter sido pensadas, para que a paz possa reinar em vossos corações e nos vossos lares [...].
Outro elemento que endossa a qualidade cristã da Umbanda é o arquétipo dos Pretos-Velhos, que são ex-escravos batizados como nomes católicos e que trazem muita fé em Cristo, nos Santos e Orixás.
As qualidades cristãs e a presença dos santos católicos confortam e tranqüilizam quem entra pela primeira vez em um templo umbandista, muito embora não se limitam a adornos, e sim a uma presença espiritual dos mesmos.”[1]
[1] Cumino, Alexandre. HISTÓRIA DA UMBAN DA: Uma Religião brasileira. São Paulo, Madras, 2010. Pág.82 a 89
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