SOBRE INCORPORAÇÃO
Amigos,
Estive caçando sobre o que escrever ultimamente. Antes, no ano que passou, tentava fazer as coisas da minha própria cabeça, me esquecendo que, no final das contas, o que vale são os visitantes que aqui vem. Não que eu não me importasse com vocês todos, mas achava que o que eu escrevia tinha que vir de uma inspiração minha e somente disso.
Mas neste ano vou pensar de forma diferente: vou avaliar as dúvidas de vocês e escrever sobre elas, algo mais denso do que as respostas via comentários.
Dito isso, uma dúvida que apareceu aqui na semana que passou e que já havia pulado aqui e ali no AF durante todo o ano de 2009 me fez pensar e escrever este texto.
A dúvida em si não é problemática, é algo corriqueiro até e, por isso mesmo, acho que bem útil será falar sobre isso.
Tem a ver com a forma de pensarmos no que fazemos durante o trabalho de assistência mediúnica.
Veja: me questionaram sobre a validade das palavras que o médium proferia quando incorporado.
Segundo tal pessoa, as palavras poderiam muito bem ter saído de sua própria boca sem, contudo, precisar estar incorporada.
O médium questionou ainda sobre os movimentos anímicos que desenvolvia, quer dizer, avisou que quando incorporado, seus guias agiam de tal ou tal forma.
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Minha principal questão nisso tudo, antes mesmo de falar sobre a pergunta dela em si foi:
se o médium tem tanta certeza sobre seus movimentos, se tem certeza que, quando incorporado com um baiano ou um caboclo, ela deverá dançar dessa ou daquela forma, então como ela consegue ter dúvida sobre o que fala, se vem dela ou do guia?
Não sei se me faço entender nessa questão. O que questiono é: se alguém tem certeza sobre a maneira de se mover durante a incorporação, como consegue ter dúvidas na hora de falar alguma coisa?
Isso não é um pensamento incompatível?
Bom, minha interpretação do caso (e quero deixar óbvio que é minha INTERPRETAÇÃO geral, não quer dizer que você, especificamente, aja de tal forma, nem mesmo que a pessoa que deixou a questão aqui aja de
tal forma) é um pequeno desvio do que é, realmente, incorporação.
Veja bem; a incorporação diz respeito a um tipo de interação entre duas pessoas.
Nós conhecemos algumas: conversar através da linguagem falada é uma delas.
Conversar através da linguagem visual é outra. Conversar através da escrita é uma terceira.
Percebem como existem várias formas de se transmitir uma mensagem? Bom, a mediunidade é uma outra forma.
Todos nós espiritualistas entendemos que existe uma substância que transcende a matéria, que nós, Kardecistas ou Umbandistas, chamamos de “espírito”. Alguns conhecem também como “alma”.
Tal substância é, em suma, o que somos de verdade e a carne, assim como todas as suas implicações, são algo puramente transitório, resultado da necessidade de compatibilizar a vibração de algo sutil, para uma mais de acordo com o lugar onde estamos. Já que tudo é vibração (vide a teoria das cordas, amplamente divulgada pela ciência teórica), precisamos de um invólucro para darmos a algo sutil uma proteção mais efetiva.
Então, espírito e corpo são ligados.
A forma que precisamos usar para conversar quando encarnados é a fala, que é uma propagação de sons precisos, feitas com a vibração do ar que nos circula. Para o espírito, onde a sua sutileza não faz o ar se movimentar, a conversa é feita por ondas ainda mais sutis, invisíveis para nós, assim como as ondas de rádio (mas não as ondas de rádio). Da mesma forma que nosso corpo usa as cordas vocais para vibrar o ar que nos circunda e produzir, em nossos aparelhos receptores (ouvidos) algo que é traduzido pelo cérebro como som, os espíritos usam uma energia que produz um tipo de vibração que é captada por toda a extensão do corpo espiritual e traduzida de forma a ser entendida por cada um.
Nós damos a isso o nome de “telepatia”, a grosso modo.
O que nos confunde, de fato, é que quando encarnados nós misturamos as duas coisas.
Ouvimos com os ouvidos da carne, mas ao mesmo tempo, continuamos a ouvir com os ouvidos espirituais.
A isso damos o nome de mediunidade.
Claro que alguns mantém essa capacidade mais do que outros, por isso temos diferentes tipos e graus de mediunidade, mas a grosso modo, funciona da mesma forma.
Então, visto isso, entendido isso, surgirá a pergunta: mas e a mediunidade de incorporação? O que é?
Para nós, acostumados em terreiros que eu chamo de “terreiros de periferia”, o que não é um termo pejorativo mas sim uma forma de separar duas correntes de pensamento diferentes, a incorporação é o ato de um espírito que habita um corpo denso, dar lugar a outro para que a comunicação ocorra.
Esse é o lugar comum ao se falar de mediunidade, principalmente em casas onde a tradição vem de muito perto com as casas mais antigas de candomblé. Esse, claro, é uma das formas de mediunidade, mas é tão rara que nem vale a pena comentar. Segundo Edgard Armond, cerca de 2% dos médiuns do mundo desenvolvem esse tipo de mediunidade. Em sua grande maioria, os médiuns são os que chamamos de “médiuns conscientes”, que na verdade, é uma forma de ouvir o que está sendo dito e transmitir a mensagem, de sua maneira, o que exige de nós um grande esforço de compreensão (daí a necessidade do estudo) e um grande esforço para passarmos uma mensagem clara (daí a necessidade de ainda mais estudo).
Ocorre, também, que temos um dispositivo de segurança mental que protege nossa psique enquanto estamos compartilhando-a com seres espirituais. Tal mecanismo, o animismo, funciona como uma barreira mental, que protege a abertura que fazemos de propósito para recebermos melhor as sugestões externas.
Tal mecanismo libera para o consciente algumas sugestões do inconsciente, idéias que ficaram cravadas fundo em nossas mentes e que, na maioria das vezes, nem nos lembramos que existem.
Essas maneiras são formas de ajudar nosso corpo a interpretar a energia que está recebendo e que, até então, lhe é estranha.
Funciona mais ou menos como levar um choque: é uma energia que recebemos de repente, sem que tenhamos controle e que faz nosso corpo reagir, já que não é uma energia natural a ele e a qual ele não está acostumado. Quando levamos um choque, ou contraímos os músculos, ou os relaxamos, tudo isso inconscientemente.
Quando recebemos uma energia de caboclo, por exemplo, tendemos a sentir o corpo mais quente, a sentir que “crescemos” de uma hora para a outra.
Quando sentimos a energia alegre que os baianos nos transmitem, então sentimos vontade de dançar, externar tal felicidade.
São formas de encarar a energia estranha.
Com o tempo isso acaba passando, já que vamos aprendendo a identificar tais energias e conseguiremos lidar com elas melhor.
Por isso vemos os médiuns mais velhos de trabalho geralmente mais calmos que os mais novos, principalmente quando esse pensamento é levado a sério.
Agora, e os pensamentos, ou melhor, e as palavras que falamos, como saber que são nossas, a despeito de termos certeza que os movimentos não são?
Bom, já vimos que os movimentos são sim nossos. Puro reflexo. E as palavras? Também são nossas.
O que acontece é que quando o contato mediúnico ocorre (e falo isso para médiuns conscientes), nós compartilhamos o mental do nosso guia espiritual.
Nós temos idéias prontas, formadas com início, meio e fim e alguns até tem imagens mentais delas.
Mas a maneira como dizemos isso é nosso mesmo.
Os conselhos que damos, muitas vezes, usam mais de nossas próprias experiências do que das do guia espiritual, e não porque somos maus médiuns, mas porque, assim, os guias mostram que nós também podemos errar, e também podemos acertar.
Só isso. É mais crível dar um exemplo assim do que um que nunca existiu, o que existiu há muito tempo atrás.
Bom, isso é o que penso a respeito e espero que ajude a vocês, amigos e irmãos de jornada, a repensar suas interações.
O texto não quer dizer que eu estou certo, a despeito de todo o resto, é só uma forma de interpretação minha, então é só uma forma de ajudar vocês a questionarem as coisas como já são feitas.
autoria-Nino Denani
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